quinta-feira, 13 de agosto de 2015

As Perseidas

Da janela do meu sótão
distingo a Estrela do Norte,
fixo-a longamente enquanto aguardo as Perseidas,
mas, sem querer, envolvo-me na filosofia do infinito
e mergulho na quinta dimensão,
vejo-me a vaguear pequenino
na abóbada celeste,
vou recostado numa jangada
que é a cama do meu sótão,
uma cama com uma janela mágica,
através dela sou barqueiro,
que me proteja São Cristóvão
nesta jangada sem velas
a viajar neste vespeiro
de planetas e de estrelas

Não falta o ar na minha jangada,
mas perdeu a gravidade,
passo ao lado de Marte
e diz-me que não tem nada,
despeço-me de Júpiter
que me empurra sem piedade
para lá do sistema solar

Ao cruzar a fronteira,
sou parado por uma estrela,
- stop, estás preso, ó barqueiro,
a tua jangada não tem bandeira,
- desculpe, ó Senhora Estrela do Sul,
o Plutão ficou-me com a bandeira,
doze estrelas num fundo azul,
- ah, acredito em ti, como vens da Terra do Sol
deixo-te passar a fronteira

Ainda lhe pergunto por Deus,
o criador do Universo,
não responde, mas dá-me um panfleto
com detalhes do seu Céu,
aí diz que todo o Universo nasceu
de uma violenta explosão após um duelo
entre o hélio e o hidrogénio

E a Estrela do Sul não quis mais conversa,
com uma bojarda estelar
manda a minha jangada
para os caminhos da Via Láctea,
urra, urra,
sou um filho de Hera,
urra, urra,
mamo quanto quero

Mas logo ouço a Estrela Feiticeira
a resmungar:
- há muitas estrelas e estrelinhas,
eu sou a maior,
sou muito mais velha que o teu Sol,
vi-o nascer, ele sempre foi um lingrinhas,
dentro de pouco tempo vou comer o teu Sol,
eh, eh, eh, eh, lol

Fico desanimado na minha jangada,
mas alegram-me as três Marias,
têm nomes estrangeiros, uma maçada,
mas em português chamam-se Marias,
ainda bem,
são a Maria José, a Maria Manuel e a Maria Antónia,
uma torra café, a outra colhe mel e a outra destila ambrósia,
sorriem para mim e desejam-me boa viagem,
ainda me falam numa quarta Maria, uma irmã anã
que quase não se vê,
chamam-lhe Maria Belém

Credo,
vejo uma seta para um buraco negro,
desvio-me abruptamente,
sofro muito de claustrofobia e de vertigens,
tento evitar os cães, o Maior e o Menor,
e abordo as estrelas virgens
da constelação Virgem, que horror!
estão a ser violadas por mártires,
eles são aos milhares a gritar:
á-lá, á-lá, que-bar!

E continuo a navegar,
mas já me falta o ar,
já não consigo relatar mais
do que vi e do que vejo da minha jangada,
assim no Céu como na Terra,
anda tudo em guerra,
é só explosões termonucleares,
as estrelas mais fortes comem as mais fracas
e ressuscitam com mais raiva e mais força,
umas tornam-se novas, outras supernovas,
afinal, o Universo é todo infeliz,
que me inspire o Odisseu,
a quem chamam Ulisses,
quero regressar à dimensão
do meu espaço e do meu tempo

Pum, catrapum, trás,
estourou a minha jangada,
acho que bati no fundo do Norte,
ó!, choquei mesmo com a Estrela do Norte
Ai, ai, ai,
ai a minha cabeça,
bati com ela com tanta força
que até vi estrelas,
uma chuva de estrelas,
serão as Perseidas?

Não são as Perseidas?
Mas onde estou eu?
O que faço aqui?
Ah!, já sei,
levantei-me da cama
e dei uma estrondosa cabeçada
no tecto do sótão,
a minha cabeça está magoada
e pede-me desculpa,
diz-me que acabou de chegar da Estrela do Norte
e ainda não se habituou à dimensão
do espaço e do tempo do meu corpo
e do meu sótão

Não sei o que fazer com a minha cabeça,
anda sempre no ar a viajar
e raramente me leva com ela,
já não tem paciência para me transportar,
foi o que aconteceu esta noite,
eu só queria ver as Perseidas
mas ela quis mais, ela quer sempre mais,
escondeu-me as Perseidas
e foi à Estrela do Norte sem mim,
qualquer dia abandona-me de vez