sábado, 3 de outubro de 2015

Uma tarde de reflexão

Os sons do entardecer deste Outono
ainda quente, teimoso,
fazem-me sono,
enrolam-me em filamentos de letargia
e cobrem de melancolia o meu espírito,
não estou triste,
mas também não sinto alegria

Estou ensonado
nesta tarde de Outono
e não consigo ver-me em nenhum lado,
estou assim, insosso,
atrofiado, no meu pátio

Mas estou obrigado
a reflectir
nesta tarde de Outono,
pedem-me para decidir
a quem dar o meu voto
quando amanhã estiver só
na cabine de voto

Está bem, vou reflectir:

Eu voto sempre,
e voto porque posso votar em liberdade,
há muita gente
que não o pode fazer,
e houve muita gente
que lutou até morrer
para eu agora o poder fazer,
por isso, voto sempre,
e nunca anulo o meu voto,
nem o pinto de branco,
porque ainda acredito que me dizem a verdade
quando pedem o meu voto,
voto e tento não votar em quem mente,
antes ou depois do meu voto,
mas diz-me a voz do povo:
quem mente uma vez, mente sempre,
e na política só deixam de mentir
quando as galinhas tiverem dentes

Será mesmo assim?

Eu sei que o meu Estado
está nas mãos dos credores,
mas, quem quer governar
não o diz,
eu sei que o meu Estado
continua a tirar aos pobres
para pagar juros à usura dos vendedores
de dinheiro, a quem chamam "mercados",
mas, quem quer governar
não o diz,
eu sei que o meu Estado
pediu e continua a pedir
muito dinheiro emprestado
para poder gerir
e sustentar a sua clientela,
aqueles que enriquecem a sugar o meu Estado,
sobrando apenas uma pequena parcela
para os seus empregados,
para a saúde pública, para a educação
para a solidariedade,
para uma nação feliz,
mas, quem quer governar
não o diz 

Eu sei que o Banco Central Europeu
vai deixar de comprar dívida pública
e que o meu Estado vai entrar em falência técnica,
depois terei que aturar aquela linguagem pudica
dos economistas a explicar 
que a dívida do meu Estado é insustentável,
mas todos temos que a pagar
e não se pode dar a entender aos credores
que não a podemos pagar,
caso contrário, aumenta para o dobro
logo no dia seguinte,
e quem governa limita-se a dizer
que a culpa não é dele,
- não, a culpa não é minha,
a culpa é daquele
que governou antes de mim

Eu sei que, apesar dos esforços
dos mais pobres,
a dívida pública do meu Estado
aumentou muito nos últimos quatro anos,
sim, aumentou em vez de diminuir,
já me explicaram porquê
e eu não percebi,
mas, quem governa
também não percebe

A política
será mesmo uma mentira?

Teremos outra alternativa
a esta democracia representativa
baseada em partidos de caciques?

Pronto,
não reflicto mais,
já não maço mais a minha cabeça,
vou continuar insosso
e esperar que este dia anoiteça,
amanhã será outro dia de Outono,
os magos do tempo prevêem tempestade,
ventos fortes e chuva pesada,
os magos do tempo costumam dizer a verdade