sábado, 24 de outubro de 2015

Sou caucasiano

Sempre me foi mais fácil determinar
a origem de uma mercadoria
do que identificar
a origem de uma pessoa

As regras de origem das mercadorias
estão escritas nos códigos aduaneiros
e nos acordos bilaterais, ou multilaterais,
negociados e assinados por suas senhorias,
os patrões desta aldeia global donos dos dinheiros,
das almas e dos materiais

As regras de origem das mercadorias
são muito divertidas,
ainda por cima estão escritas,
estudem-nas, sim, estudem-nas,
de certeza que se vão rir

Não é o que se passa
com as regras de origem das pessoas,
estas não estão escritas em acordos,
apenas estão escritas as normas
que determinam a nacionalidade,
ou a dupla nacionalidade,
que passam a constar no passaporte

Mas, cidadania não é o mesmo que origem,
sendo assim, não entendo por que razão
continuam a existir grupos de cidadãos
a defender a pureza da origem das pessoas
gritando a quem passa:
- não, não queremos cá os que não são da nossa raça

Eu explico,
agarramos em mim,
tenho a nacionalidade portuguesa
porque nasci aqui,
se tivesse nascido mais a norte,
ou mais a sul, ou do outro lado da fortaleza,
teria outra cor o meu passaporte

Mas, qual é a minha origem?

Seguramente, os meus antepassados
remotos não eram daqui, vieram para cá,
sim, vieram de lá para cá
e ficaram cá porque não lhes apeteceu
voltar para lá,
terão vindo para cá
como invasores, peregrinos,
refugiados sequiosos, famintos,
sei lá,
mas vieram e ficaram

Desde 1179, ano em que o Papa
reconheceu o primeiro Rei de Portugal
(ele não era filho da mãe, nem do pai,
era filho do aio),
todos os humanos que viviam aqui
passaram a ter nacionalidade portuguesa,
a não ser que tivessem de fugir
para não morrer,
e tiveram mesmo, e muitas vezes,
e continuam a fugir

Pronto, eu não fugi,
mas, repito, qual será a minha origem?

Será que tenho tecidos fenícios, cartagineses,
celtas, iberos, romanos, alanos,
vândalos, suevos, visigodos,
judeus, bascos, saxões, sarracenos,
castelhanos, francos, africanos ...?

Não sei,
mas acho que sou de origem dispersa,
acho que sou predominantemente alano
da Ossétia,
com uma pitada de sarraceno e de sefardita,
falo e escrevo o português, uma língua do ramo
do baixo latim,
mas a minha língua-mãe deveria ser o farsi

Ai se alguém sabe, o que será de mim?

Por favor, não digam nada, nem façam caso,
é tudo tão relativo, não, não me expulsem daqui,
por favor, não façam isso,
não, não me obriguem a regressar ao Cáucaso