sábado, 28 de novembro de 2015

Cantiga ao Zé da Pocariça

Ele era pedinte adivinho,
carregava a sua mobília,
uma panela, um tachinho,
uma sertã, uma mochila

Tinha um sorriso amarelo,
as calças presas por um fio,
nos pés, umas botas de pele
já deixavam entrar o frio

Cobria-o uma gabardina
parda e coçada pelo tempo,
uma boina já carcomida
abrigava-o do relento

Ele era pedinte leitor,
contava lendas e histórias,
recitava poemas de amor
e cantava as suas glórias

Lia a sina a fazer contas
em folhas de papel de embrulho,
quando elas ficavam prontas
anunciava um bom futuro

Foi com ele que aprendi
a juntar as primeiras letras,
numa noite de vigília,
ouvi-o chamar as estrelas

Ele aparecia quando queria,
quando deixou de aparecer
pensei que ele não aparecia
porque já não queria aparecer

Ele era o Zé da Pocariça,
pedia apenas dormida
e um papo-seco com chouriça,
por vezes lamentava a vida