Sons da rua
Campainhas
portas a bater
lá fora falam e gritam criancinhas
ouvem-se vozinhas
de quem acabou o entardecer
Nesta enfermaria
ouvem-se sons
sons do dia-a-dia
que eu identifico
ao longe mas nunca tão perto
que me afastem
do meu estado de paralítico
Ouço reactores
de aviões
que talvez venham dos Açores
lá dentro vão pessoas
felizes e que esperam
que não faltem travões
ao aterrar em Lisboa
São reactores
com actividade frenética
porventura vêm da América
e não dos Açores
e eu numa atitude patética
imagino-me lá dentro
sentado e sem dores
fora desta posição paralítica
Os reactores
parece que vão à rasca
com vontade de mijar
ou de soltar a casca
vão em pânico
depois de atravessarem
o Atlântico
Ouço comboios
que não saem dos carris
apenas deslizam
transportam trabalhadores
aflitos para não se atrasarem
aos seus empregadores
Ouço os enfermeiros
a falar no corredor
dizem que ganham pouco
querem mais dinheiro
por vezes faço-me de mouco
quando me chamam nomes
por eu andar pouco
ou nada
Já sei
que para voltar a andar
tenho de gritar como Roger Daltrey
na ópera Tommy
"I'm free"
e partir as correntes
que me atam os membros
Mas não quero partir os dentes