domingo, 31 de julho de 2016

A minha perna esquerda

Preciso da minha perna
para calcorrear os outeiros
os vales e a charneca,
mas o joelho não estica
e voltei à idade dos cueiros

Ainda não ganhei a guerra
mas hei-de combater até ao fim
para tornar a percorrer
os carreiros da minha serra
a apanhar alecrim
rosmaninho e amoras
com sabor
a açúcar e a mel
e com o ardor
dos picos das silvas na pele
que causam dor
como se avisassem
"Se queres estas amoras
tens de sentir as picas
não levas das minhas iguarias
sem que nesses dedos te firas"
Sim, a silva não é uma lira
ela pica e pica bem
até faz sangue
O silvado
é um enxame de picos
que não quer ser incomodado

Isto a propósito
de eu ir daqui a pouco
ser picado com toxina botulínica
nos músculos que não esticam
Espero não ficar rouco
com a dor que vou sentir
nem mouco com as ordens
que vou ouvir
"Estique o joelho, respire fundo
descontraia os músculos"

E depois nada, só a desordem
do meu corpo torcido
que já não dá pulos