O meu cabelo
Estou na onda dos Sikhs
e não vou cortar o meu cabelo,
mas já estou a ganhar uns tiques,
estou sempre a mirar-me ao espelho
e a ajeitar a trunfa
que felizmente ainda abunda,
mas como não quero esconder
o meu cabelo, como fazem os Sikhs,
vou tentar parecer como os hippies,
daqueles que vivem bem e não querem morrer
Mas pensando melhor,
vou mesmo ao barbeiro
e encomendar um corte
igual ao do Kim-Jong-un,
o Presidente da Coreia do Norte,
e serei mais um
a imitar esse grande e redondo dirigente
que parece ter saído dum filme de terror
em versão cartoon,
e vou gozar a minha reforma
numa qualquer estância balnear
da Coreia do Norte
sexta-feira, 28 de março de 2014
quarta-feira, 26 de março de 2014
Vistos GOLD
Tenho um amigo, que não é de cá,
que quer um visto
para passar a ser de cá,
mas não é um visto qualquer,
o visto que ele quer
tem que ser de ouro maciço,
um visto GOLD,
alguém me arranja isso?
Um outro amigo meu,
que é cá dos nossos
e muito bem posicionado,
disse-me que arranjava o visto ao meu amigo
se ele trouxesse nos seus bolsos
muito papel, muita narta, el contado
(tás a topar, ou não, observou ele meio calado),
se assim é, está combinado,
dinheiro não falta ao meu amigo
O meu amigo entrou cá
e obteve logo o visto Gold,
fiquei muito contente,
voltou a dar a aura de outrora
à Rua do Benformoso,
ao Intendente,
e à encosta da Meia Laranja, ao Casal Ventoso,
e quer comprar o Tribunal da Boa Hora
para aí instalar um serviço altamente
eficaz, eficiente e resiliente
de residencial de luxo, para arrendar quartos à hora
com jacuzzi de água de nascente,
será um grande investimento
que cria postos de trabalho
e mais impostos para o orçamento
(estou a ficar baralhado,
querem ver que à custa de tanta austeridade
já percebo de economia)
Já agora, e não me levem a mal,
como a CPLP também dá vistos GOLD
(seja bem-vindo Sr. Presidente da Guiné Equatorial)
vou propor à União Europeia, a BOLD,
para conceder vistos GOLD
a quem conseguir atravessar a nado
o Mar Mediterrâneo,
e pode ser um visto em papel almaço,
ou em qualquer outro sucedâneo
Tenho um amigo, que não é de cá,
que quer um visto
para passar a ser de cá,
mas não é um visto qualquer,
o visto que ele quer
tem que ser de ouro maciço,
um visto GOLD,
alguém me arranja isso?
Um outro amigo meu,
que é cá dos nossos
e muito bem posicionado,
disse-me que arranjava o visto ao meu amigo
se ele trouxesse nos seus bolsos
muito papel, muita narta, el contado
(tás a topar, ou não, observou ele meio calado),
se assim é, está combinado,
dinheiro não falta ao meu amigo
O meu amigo entrou cá
e obteve logo o visto Gold,
fiquei muito contente,
voltou a dar a aura de outrora
à Rua do Benformoso,
ao Intendente,
e à encosta da Meia Laranja, ao Casal Ventoso,
e quer comprar o Tribunal da Boa Hora
para aí instalar um serviço altamente
eficaz, eficiente e resiliente
de residencial de luxo, para arrendar quartos à hora
com jacuzzi de água de nascente,
será um grande investimento
que cria postos de trabalho
e mais impostos para o orçamento
(estou a ficar baralhado,
querem ver que à custa de tanta austeridade
já percebo de economia)
Já agora, e não me levem a mal,
como a CPLP também dá vistos GOLD
(seja bem-vindo Sr. Presidente da Guiné Equatorial)
vou propor à União Europeia, a BOLD,
para conceder vistos GOLD
a quem conseguir atravessar a nado
o Mar Mediterrâneo,
e pode ser um visto em papel almaço,
ou em qualquer outro sucedâneo
terça-feira, 25 de março de 2014
As pombinhas do Papa
A pomba
é branquinha, é coitadinha,
até lhe chamamos pombinha,
o seu voo é suave
e não se defende
quando é atacada por outra ave
mais feroz, com mais dente
As pombinhas do Papa
foram lançadas por ele ao vento
como símbolos da paz e da amizade,
mas foram atacadas à vista de toda a gente
e reduzidas a nada
por uma gaivota e por um corvo,
que horror
Não sei se a gaivota
significa alguma coisa,
mas o corvo sim, é todo preto,
traz mau agoiro
e pode anunciar a morte,
mas sobre o corvo nada mais digo,
leiam o "o corvo" de Edgar Allan Poe
A pomba
é branquinha, é coitadinha,
até lhe chamamos pombinha,
o seu voo é suave
e não se defende
quando é atacada por outra ave
mais feroz, com mais dente
As pombinhas do Papa
foram lançadas por ele ao vento
como símbolos da paz e da amizade,
mas foram atacadas à vista de toda a gente
e reduzidas a nada
por uma gaivota e por um corvo,
que horror
Não sei se a gaivota
significa alguma coisa,
mas o corvo sim, é todo preto,
traz mau agoiro
e pode anunciar a morte,
mas sobre o corvo nada mais digo,
leiam o "o corvo" de Edgar Allan Poe
sexta-feira, 21 de março de 2014
O horizonte
Daqui, o horizonte
é esta vastidão de água salgada
onde o sol se apaga
ao deixar-se cair na água
no final de cada jornada
mesmo onde o horizonte acaba
Dacolá, o horizonte
é aquela vista de montes, vales
e povoados,
e do voo das aves,
umas vezes voos rápidos,
outras vezes voos planados,
mas sempre voos em liberdade
Porventura, o horizonte
não passa de uma miragem
que vai até onde a vista alcança,
mas não me tirem essa imagem,
não me tirem a esperança
de poder ir mais além
-----------------------------------
Viva o dia mundial da poesia
Daqui, o horizonte
é esta vastidão de água salgada
onde o sol se apaga
ao deixar-se cair na água
no final de cada jornada
mesmo onde o horizonte acaba
Dacolá, o horizonte
é aquela vista de montes, vales
e povoados,
e do voo das aves,
umas vezes voos rápidos,
outras vezes voos planados,
mas sempre voos em liberdade
Porventura, o horizonte
não passa de uma miragem
que vai até onde a vista alcança,
mas não me tirem essa imagem,
não me tirem a esperança
de poder ir mais além
-----------------------------------
Viva o dia mundial da poesia
quinta-feira, 20 de março de 2014
É Primavera
Árvores despidas
cobri-vos todas
de cores garridas,
de vistosas flores,
e com grandes bodas
festejai a era
pois é Primavera
Aves friorentas
cantai com genica
do medo isentas
a linda cantiga
desta primavera
tão jovial e amiga
que há muito se espera
Barulhento rio
desce suave o monte
e o outeiro esguio
e alimenta a fonte
e a trôpega nora,
lembra-te que agora
já é Primavera
E tu, lavrador,
que és meu irmão,
semeia o teu suor
para obteres o pão,
e exulta também,
mais do que ninguém,
que é Primavera
-------------------------------------------
Escrito na Perulheira, em 1970.
Feliz primavera de 2014 para todos,
em especial para os que já estão no Outono da vida
Árvores despidas
cobri-vos todas
de cores garridas,
de vistosas flores,
e com grandes bodas
festejai a era
pois é Primavera
Aves friorentas
cantai com genica
do medo isentas
a linda cantiga
desta primavera
tão jovial e amiga
que há muito se espera
Barulhento rio
desce suave o monte
e o outeiro esguio
e alimenta a fonte
e a trôpega nora,
lembra-te que agora
já é Primavera
E tu, lavrador,
que és meu irmão,
semeia o teu suor
para obteres o pão,
e exulta também,
mais do que ninguém,
que é Primavera
-------------------------------------------
Escrito na Perulheira, em 1970.
Feliz primavera de 2014 para todos,
em especial para os que já estão no Outono da vida
quarta-feira, 19 de março de 2014
Prescreveram
Acudam ao Gonçalves,
parece que se perdeu
no seu jardim
que não tem fim,
se calhar prescreveu,
coitado,
já não deve dar uma para a Caixa,
(daquela que nos paga o ordenado,
bem entendido),
lá tem ele que continuar de baixa,
a não ser que tenha prescrito,
de vez
Parece que o Oliveira
também se perdeu
na encosta da Estrela,
se calhar também já prescreveu,
coitado,
será que ainda dá alguma para a Caixa?
ouvi dizer que sim,
deve ser com a ajuda
de muitas folhas de loureiro
e de pós de perlimpimpim
que usa para temperar
os seus fartos manjares de banqueiro,
(faisão, ouro em pó e caviar
não lhe devem faltar)
Já o Rendeiro
não deve ter prescrito,
ainda é muito novo para isso
e ainda pode dar muito para a Caixa
e levar no toutiço
até que se renda e pague o que deve,
pois a força não lhe deve faltar,
(parece que foi visto a escalar
uma montanha coberta de neve
e não tinha falta de ar)
Mas, mais dia menos dia,
estes três vão mesmo prescrever,
perdão, eles não,
mas as coimas deles que estão a arrefecer
no Banco que dizem que é de todos nós,
ou na Justiça que só é para alguns,
para os que têm dinheiro, para os que têm voz
Acudam ao Gonçalves,
parece que se perdeu
no seu jardim
que não tem fim,
se calhar prescreveu,
coitado,
já não deve dar uma para a Caixa,
(daquela que nos paga o ordenado,
bem entendido),
lá tem ele que continuar de baixa,
a não ser que tenha prescrito,
de vez
Parece que o Oliveira
também se perdeu
na encosta da Estrela,
se calhar também já prescreveu,
coitado,
será que ainda dá alguma para a Caixa?
ouvi dizer que sim,
deve ser com a ajuda
de muitas folhas de loureiro
e de pós de perlimpimpim
que usa para temperar
os seus fartos manjares de banqueiro,
(faisão, ouro em pó e caviar
não lhe devem faltar)
Já o Rendeiro
não deve ter prescrito,
ainda é muito novo para isso
e ainda pode dar muito para a Caixa
e levar no toutiço
até que se renda e pague o que deve,
pois a força não lhe deve faltar,
(parece que foi visto a escalar
uma montanha coberta de neve
e não tinha falta de ar)
Mas, mais dia menos dia,
estes três vão mesmo prescrever,
perdão, eles não,
mas as coimas deles que estão a arrefecer
no Banco que dizem que é de todos nós,
ou na Justiça que só é para alguns,
para os que têm dinheiro, para os que têm voz
terça-feira, 18 de março de 2014
A Senhora Sophia de Mello Breyner Andresen
Gosto de estar no cais quando chove,
a chuva transporta sabores
e odores
que, quando misturados com o mar,
transformam a atmosfera
num ambiente de caldo
que me faz flutuar ...
Talvez porque estes meus versos
também cheiram a maresia,
andam a dizer por aí
que são versos da Senhora Sophia
e não meus
Perguntem, pois, à Senhora Sophia,
que deve andar lá pelos céus,
se os meus versos de maresia
são versos seus e não meus
Perguntem-lhe também
se continua a sentir por lá, no além,
o som dos búzios e do mar
e digam-lhe que nós,
que ainda andamos por cá, no aquém,
sentimos muito a falta que nos faz
a Senhora Sophia de Mello Breyner Andresen
E que descanse em paz,
esteja ela no Panteão Nacional,
esteja ela a aguardar o dia do Juízo Final,
esteja ela nos braços de Morfeu,
e, sobretudo, que sejam glorificados
os seus versos de sal
e a língua em que os escreveu,
a língua de Portugal
Gosto de estar no cais quando chove,
a chuva transporta sabores
e odores
que, quando misturados com o mar,
transformam a atmosfera
num ambiente de caldo
que me faz flutuar ...
Talvez porque estes meus versos
também cheiram a maresia,
andam a dizer por aí
que são versos da Senhora Sophia
e não meus
Perguntem, pois, à Senhora Sophia,
que deve andar lá pelos céus,
se os meus versos de maresia
são versos seus e não meus
Perguntem-lhe também
se continua a sentir por lá, no além,
o som dos búzios e do mar
e digam-lhe que nós,
que ainda andamos por cá, no aquém,
sentimos muito a falta que nos faz
a Senhora Sophia de Mello Breyner Andresen
E que descanse em paz,
esteja ela no Panteão Nacional,
esteja ela a aguardar o dia do Juízo Final,
esteja ela nos braços de Morfeu,
e, sobretudo, que sejam glorificados
os seus versos de sal
e a língua em que os escreveu,
a língua de Portugal
domingo, 16 de março de 2014
A menina da trancinha
A menina da trancinha
toda feliz e colorida
foi com a sua cestinha
apanhar laranjas da Baía
ao laranjal da sua quinta
No chão do laranjal
jazia uma laranja doente
no meio das laranjas sãs
e estas pediram
à menina da trancinha
para não irem na sua cestinha
juntamente
com a laranja doente
E disseram ainda
à menina da trancinha
que a laranja doente
estava sempre a chorar
e a pedir para alguém a abraçar
e beijar
E a menina da trancinha
só levou na sua cestinha
as laranjas sãs e deixou
a laranja doente só e a sofrer,
que chorou, chorou, chorou,
até morrer
A menina da trancinha
toda feliz e colorida
foi com a sua cestinha
apanhar laranjas da Baía
ao laranjal da sua quinta
No chão do laranjal
jazia uma laranja doente
no meio das laranjas sãs
e estas pediram
à menina da trancinha
para não irem na sua cestinha
juntamente
com a laranja doente
E disseram ainda
à menina da trancinha
que a laranja doente
estava sempre a chorar
e a pedir para alguém a abraçar
e beijar
E a menina da trancinha
só levou na sua cestinha
as laranjas sãs e deixou
a laranja doente só e a sofrer,
que chorou, chorou, chorou,
até morrer
sábado, 15 de março de 2014
Quem é o Vitório Rei?
Ontem alguém me abordou
e perguntou
se eu conhecia o Vitório Rei,
eu respondi logo, não sei
quem é esse Vitório Rei
Mas sei,
o Vitório Rei
é meu amigo, quase íntimo,
e esta manhã vim visitá-lo
ao seu local de trabalho
Ele ficou tão feliz ao ver-me
que foi logo à pastelaria
comprar bolas de Berlim com creme
e "chaussons aux pommes",
porque estava com fome
e eu também
Enquanto ele vai aos bolos,
eu vou-vos dizer quem ele é
(ele não encerrou o computador):
é um poeta não fingidor,
ao contrário do outro,
diz sempre a verdade,
mesmo quando pretende mentir,
só está bem aonde não está,
como o outro, sempre a fugir,
por vezes desaparece-me,
vejo-o na rua e não me reconhece,
vai a pensar nas teias que o tempo tece,
é bonzinho,
mas tem os seus demónios,
por vezes convive com eles
e, então, passa-se dos neurónios,
só pensa no fim do mundo,
quer saber donde vimos, para aonde vamos,
mergulha no profundo
da alma e ninguém o atura,
tem medo da morte e é hipocondríaco,
enfim, não tem cura
(ele já chegou com os bolos,
ai se ele sabe que eu escrevi isto)
Ontem alguém me abordou
e perguntou
se eu conhecia o Vitório Rei,
eu respondi logo, não sei
quem é esse Vitório Rei
Mas sei,
o Vitório Rei
é meu amigo, quase íntimo,
e esta manhã vim visitá-lo
ao seu local de trabalho
Ele ficou tão feliz ao ver-me
que foi logo à pastelaria
comprar bolas de Berlim com creme
e "chaussons aux pommes",
porque estava com fome
e eu também
Enquanto ele vai aos bolos,
eu vou-vos dizer quem ele é
(ele não encerrou o computador):
é um poeta não fingidor,
ao contrário do outro,
diz sempre a verdade,
mesmo quando pretende mentir,
só está bem aonde não está,
como o outro, sempre a fugir,
por vezes desaparece-me,
vejo-o na rua e não me reconhece,
vai a pensar nas teias que o tempo tece,
é bonzinho,
mas tem os seus demónios,
por vezes convive com eles
e, então, passa-se dos neurónios,
só pensa no fim do mundo,
quer saber donde vimos, para aonde vamos,
mergulha no profundo
da alma e ninguém o atura,
tem medo da morte e é hipocondríaco,
enfim, não tem cura
(ele já chegou com os bolos,
ai se ele sabe que eu escrevi isto)
sexta-feira, 14 de março de 2014
Por uma saída limpa da "troika"
Quando a "troika" entrou
o hall de entrada estava limpo,
que nem um brinco,
agora que ela está de partida
dizem que o hall de saída
está sujo
e que cheira a carne frita
e a papas de sarrabulho
Eu também sou por uma saída limpa,
por isso acho que devem limpar
o hall de saída da "troika"
com esfregonas e aguarrás
e deixem-nos em paz
Mas eu preferia uma saída
ainda mais limpa
com pura lixívia, daquela que intoxica
e mata as bactérias
que enxameiam os talheres com que comemos,
os bancos onde nos depositamos,
os lençóis onde nos deitamos
e os lenços que enxaguam as lágrimas que vertemos
pelo que sofremos
porque os nossos salários
estão a ser comidos
pelos capitalistas usurários,
raios os partam a eles e à "troika"
e a quem os chamou,
que venha a "perestroika"
Quando a "troika" entrou
o hall de entrada estava limpo,
que nem um brinco,
agora que ela está de partida
dizem que o hall de saída
está sujo
e que cheira a carne frita
e a papas de sarrabulho
Eu também sou por uma saída limpa,
por isso acho que devem limpar
o hall de saída da "troika"
com esfregonas e aguarrás
e deixem-nos em paz
Mas eu preferia uma saída
ainda mais limpa
com pura lixívia, daquela que intoxica
e mata as bactérias
que enxameiam os talheres com que comemos,
os bancos onde nos depositamos,
os lençóis onde nos deitamos
e os lenços que enxaguam as lágrimas que vertemos
pelo que sofremos
porque os nossos salários
estão a ser comidos
pelos capitalistas usurários,
raios os partam a eles e à "troika"
e a quem os chamou,
que venha a "perestroika"
quinta-feira, 13 de março de 2014
Poemas perdidos
Eu sempre escrevi poemas,
mas rasguei-os quase todos,
ou porque eram apenas teoremas
ilógicos, ingénuos, toscos,
que equacionavam irresolúveis dilemas,
ou porque eram pesados relatos
de momentos trazidos pelos ventos
que me deixavam de rastos,
porque esses ventos vinham do sul,
o vento suão, de mau agoiro,
que inspira o absurdo
e que soa como o zunir do besoiro
Por isso não tenho pena
dos poemas que rasguei,
mas já tenho pena
dos poemas que não escrevi
por falta de papel e de pena,
eram palavras suaves e doces
que zumbiam à minha volta
a implorar para eu as escrever,
e eram vozes livres, à solta,
plenas de prazer,
que deixei morrer
Agora prometo
que sempre que me aparecerem palavras
a voar e que me soem como uma canção,
escrevo-as aqui, em forma livre ou em soneto,
a não ser que me falte o coração,
ou a pena,
mas se isso acontecer
não tenham pena
Eu sempre escrevi poemas,
mas rasguei-os quase todos,
ou porque eram apenas teoremas
ilógicos, ingénuos, toscos,
que equacionavam irresolúveis dilemas,
ou porque eram pesados relatos
de momentos trazidos pelos ventos
que me deixavam de rastos,
porque esses ventos vinham do sul,
o vento suão, de mau agoiro,
que inspira o absurdo
e que soa como o zunir do besoiro
Por isso não tenho pena
dos poemas que rasguei,
mas já tenho pena
dos poemas que não escrevi
por falta de papel e de pena,
eram palavras suaves e doces
que zumbiam à minha volta
a implorar para eu as escrever,
e eram vozes livres, à solta,
plenas de prazer,
que deixei morrer
Agora prometo
que sempre que me aparecerem palavras
a voar e que me soem como uma canção,
escrevo-as aqui, em forma livre ou em soneto,
a não ser que me falte o coração,
ou a pena,
mas se isso acontecer
não tenham pena
segunda-feira, 10 de março de 2014
Um bairro da Bobadela
Para os lados da Bobadela
existe um bairro
que foi do Manuel Dinis,
o patrão,
e que agora é dos que para lá estão,
e diz quem diz
que esse bairro se manterá de pé
até que morra o último dos que para lá estão
E nesse bairro da Bobadela
sabe-se que morreu alguém
quando lhe fecham a janela
com tijolo e argamassa
e de lá já não sai nem entra ninguém
E é por isso que a vizinha do 1.º esquerdo
abre sempre a janela logo que desperta
para avisar que continua a viver
e que a sua porta está aberta
até para quem tem por dever
preparar o tijolo e a argamassa
para fechar a sua janela
no dia em que, por desgraça,
não conseguir evitar
que a vidraça
da sua janela
vire tijolo e argamassa
E não há quem avise quem passa
por que razão existe neste bairro da Bobadela
tanta janela
selada a tijolo e a argamassa
Para os lados da Bobadela
existe um bairro
que foi do Manuel Dinis,
o patrão,
e que agora é dos que para lá estão,
e diz quem diz
que esse bairro se manterá de pé
até que morra o último dos que para lá estão
E nesse bairro da Bobadela
sabe-se que morreu alguém
quando lhe fecham a janela
com tijolo e argamassa
e de lá já não sai nem entra ninguém
E é por isso que a vizinha do 1.º esquerdo
abre sempre a janela logo que desperta
para avisar que continua a viver
e que a sua porta está aberta
até para quem tem por dever
preparar o tijolo e a argamassa
para fechar a sua janela
no dia em que, por desgraça,
não conseguir evitar
que a vidraça
da sua janela
vire tijolo e argamassa
E não há quem avise quem passa
por que razão existe neste bairro da Bobadela
tanta janela
selada a tijolo e a argamassa
sexta-feira, 7 de março de 2014
A minha macieira
Estava só,
a chuva fustigava a minha janela
e através dela
podia ver a minha macieira,
a minha companheira,
que também estava só
na paisagem que eu via
da minha janela
naquele dia
Desde que me lembro,
a minha macieira
dá sempre maçãs em setembro,
maçãs com bicho,
que sabem a fruta verdadeira,
mas eu nada exijo
à minha macieira
e ela nada me pede,
mesmo que tenha sede,
somos assim,
uma relação perfeita
eu e a minha macieira
E naquele dia
muito triste e chuvoso
eu estava só
e só tinha a minha macieira
como companheira
que também estava só
Estava só,
a chuva fustigava a minha janela
e através dela
podia ver a minha macieira,
a minha companheira,
que também estava só
na paisagem que eu via
da minha janela
naquele dia
Desde que me lembro,
a minha macieira
dá sempre maçãs em setembro,
maçãs com bicho,
que sabem a fruta verdadeira,
mas eu nada exijo
à minha macieira
e ela nada me pede,
mesmo que tenha sede,
somos assim,
uma relação perfeita
eu e a minha macieira
E naquele dia
muito triste e chuvoso
eu estava só
e só tinha a minha macieira
como companheira
que também estava só
quinta-feira, 6 de março de 2014
A Alfândega já não mora em Alfama
Alfama já não me é tão prazenteira,
lá já não se ouvem os verificadores
a filosofar sobre a pauta aduaneira,
porque lá nisso eles são sabedores
Lá também já não se vêem ajudantes
de despachantes a correr contra o tempo
para resolverem todas as "nuances"
do processo de desalfandegamento
A Alfândega já não mora em Alfama,
na sua morada moram agora
grandes contribuintes e a sua Dama
Que é rica e muito controladora,
mas nunca atingirá a glória e a fama
da Alfândega que foi a minha Senhora
Alfama já não me é tão prazenteira,
lá já não se ouvem os verificadores
a filosofar sobre a pauta aduaneira,
porque lá nisso eles são sabedores
Lá também já não se vêem ajudantes
de despachantes a correr contra o tempo
para resolverem todas as "nuances"
do processo de desalfandegamento
A Alfândega já não mora em Alfama,
na sua morada moram agora
grandes contribuintes e a sua Dama
Que é rica e muito controladora,
mas nunca atingirá a glória e a fama
da Alfândega que foi a minha Senhora
terça-feira, 4 de março de 2014
Dia do Entrudo
Hoje é dia do Entrudo
e vou mascarar-me de sultão,
vou vestir um sedoso sobretudo,
como só eles usam,
e vou ao banco dos mellos
levantar dez milhões de dólares
para comprar todos os castelos
da serra de Colares
e ficar rico por um dia,
o dia do Entrudo
Hoje é dia do Entrudo
e vou mascarar-me de arlequim
e vou ser o bobo da corte
do Rei do Entrudo,
vou dar o melhor de mim
para ser o seu consorte,
para ser o seu benjamim
e ficar rico por um dia,
o dia do Entrudo
Hoje é dia do Entrudo
e vou mascarar-me de troglodita,
vou descer à minha caverna
até perder a luz do dia
e despertar o Buda que hiberna
em mim e sentir o ventre da terra
até que atinja o Nirvana
apenas por um dia,
o dia do Entrudo
Hoje é dia do Entrudo
e vou mascarar-me de corrupto,
ou talvez de maçónico,
ou talvez de profeta,
ou talvez de bruxo,
ou talvez de receptor do dízimo,
para ser rico por um dia,
o dia do Entrudo
E amanhã já não será
o dia do Entrudo,
será o dia das Cinzas
e ouviremos pregar
"lembra-te homem que és pó
e em pó te hás-de tornar"
assim mesmo, sem dó,
nem piedade,
apenas a verdade,
(bolas! estraguei tudo,
por escrever esta verdade,
o Rei do Entrudo
já não me deixa mascarar)
Hoje é dia do Entrudo
e vou mascarar-me de sultão,
vou vestir um sedoso sobretudo,
como só eles usam,
e vou ao banco dos mellos
levantar dez milhões de dólares
para comprar todos os castelos
da serra de Colares
e ficar rico por um dia,
o dia do Entrudo
Hoje é dia do Entrudo
e vou mascarar-me de arlequim
e vou ser o bobo da corte
do Rei do Entrudo,
vou dar o melhor de mim
para ser o seu consorte,
para ser o seu benjamim
e ficar rico por um dia,
o dia do Entrudo
Hoje é dia do Entrudo
e vou mascarar-me de troglodita,
vou descer à minha caverna
até perder a luz do dia
e despertar o Buda que hiberna
em mim e sentir o ventre da terra
até que atinja o Nirvana
apenas por um dia,
o dia do Entrudo
Hoje é dia do Entrudo
e vou mascarar-me de corrupto,
ou talvez de maçónico,
ou talvez de profeta,
ou talvez de bruxo,
ou talvez de receptor do dízimo,
para ser rico por um dia,
o dia do Entrudo
E amanhã já não será
o dia do Entrudo,
será o dia das Cinzas
e ouviremos pregar
"lembra-te homem que és pó
e em pó te hás-de tornar"
assim mesmo, sem dó,
nem piedade,
apenas a verdade,
(bolas! estraguei tudo,
por escrever esta verdade,
o Rei do Entrudo
já não me deixa mascarar)
sábado, 1 de março de 2014
O claustro da minha vida
Onde eu estudei
havia um claustro,
um lindo claustro,
era quadrado e tinha arcadas,
e no meio um campo de rosas
muito bem cuidadas,
sempre mimosas
"...chorai arcadas
do violoncelo,
convulsionadas,
pontes aladas
do pesadelo..."
lia eu em voz alta
o Camilo Pessanha
ao circular pelas arcadas
desse lindo claustro,
todo da mesma cor,
que não tinha saída
para o exterior, para a vida,
só para o interior
Lindo claustro
que me enclausurou
e que moldou o meu interior,
tornou-me sensível,
claustrofóbico, melancólico,
o que ainda sou
Mas, quem sabe?
não fora esse lindo claustro
de chão de pedra
e com ecos do Sermão da Montanha
eu nunca teria lido o Camilo Pessanha
e a sua "Clepsidra"
Lindo Claustro,
o Claustro da minha vida
Onde eu estudei
havia um claustro,
um lindo claustro,
era quadrado e tinha arcadas,
e no meio um campo de rosas
muito bem cuidadas,
sempre mimosas
"...chorai arcadas
do violoncelo,
convulsionadas,
pontes aladas
do pesadelo..."
lia eu em voz alta
o Camilo Pessanha
ao circular pelas arcadas
desse lindo claustro,
todo da mesma cor,
que não tinha saída
para o exterior, para a vida,
só para o interior
Lindo claustro
que me enclausurou
e que moldou o meu interior,
tornou-me sensível,
claustrofóbico, melancólico,
o que ainda sou
Mas, quem sabe?
não fora esse lindo claustro
de chão de pedra
e com ecos do Sermão da Montanha
eu nunca teria lido o Camilo Pessanha
e a sua "Clepsidra"
Lindo Claustro,
o Claustro da minha vida
Subscrever:
Mensagens (Atom)