sábado, 31 de janeiro de 2015

- Momentos de uma viagem -
Nasce o sol no lago Léman

Nasce o sol no lago Léman,
nasce e espalha nas águas do lago
pós de um amarelo torrado
e o lago parece uma tosta untada de mel
que me apetece trincar

Nasce o sol no lago
e já o vejo a bailar com os picos
recheados de natas frescas
que reflectem sabores frios
preparados por forças gigantescas

Tenho o sol no lago Léman
e  não sei se hei-de trincar
a tosta untada com mel,
se lamber os sorvetes e os batidos
que me são servidos em forma de picos,
em forma de montes brancos de neve

Nasce o sol
no lago Léman
e eu já não tenho fome

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

A Primeira Grande Guerra do Século XXI vai começar assim

Ó Califa de todos os otomanos
que vives no palácio dos mil quartos
tão rico como as vilas dos romanos
onde eles pereciam de tão fartos,
chama a ti todos os maometanos
e repõe as fronteiras e os marcos
do glorioso império dos otomanos,
ó Sultão iluminado, dos fracos
não vais precisar, mas eis-nos a nós,
somos fortes, crentes e corajosos

Cruzaremos os rios e o mar,
os pântanos e os desfiladeiros,
lutaremos de pé, sem vacilar,
nas planícies, nos vales, nos outeiros,
seremos soldados sempre a lutar
com a fé e a força dos guerreiros
de outrora, cuja glória sem par
nos anima a sermos verdadeiros
conquistadores do nosso império
que era metade do planisfério

Venceremos logo os helénicos,
os cristãos que ocupam as nossas ilhas,
agora estão fracos e famélicos,
não guardam as suas formosas filhas
e os seus filhos estão esqueléticos,
não protegem as suas maravilhas,
os monumentos, os deuses olímpicos,
dão tudo por um prato de lentilhas,
entraremos na Trácia, em Creta,
em Atenas, a vitória é certa

Raptaremos a formosa Helena,
a Helena de Atenas, não de Esparta,
ficará cativa a Helena morena,
seguirá com a nossa força armada
até às portas da imperial Viena
que finalmente será conquistada,
logo após Belgrado e Veneza,
Sofia, Bucareste e Bratislava,
que viva a Europa dos otomanos,
que viva a Europa dos maometanos

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

- Momentos de uma viagem -
Villach

Cheguei há pouco a Villach
e já sou de cá,
que simpatia de quem me acolhe,
estou maravilhado,
"chove, tome cuidado,
não se molhe"
bem haja Villach

Villach,
burgo pequeno, tem um rio e passagens
entre as margens,
encruzilhada de linhas de caminho de ferro,
daqui, os comboios podem levar-me
para Viena, Varsóvia, Munique, Zagreb,
Belgrado, Veneza,
também me levam para o Tirol,
mas que beleza
o Tirol em Lienz,
o Osttirol

Adeus, Villach,
prometo voltar

domingo, 25 de janeiro de 2015

Acordar

Acordo, estou de acordo comigo,
com os outros e com os sonhos
que sonhei esta noite ao abrigo
do frio e da geada aos molhos;
vi tudo tão nítido, tão colorido
que até tive de fechar os olhos
a tão real recordação do ido
que ficou gravado nos folhos
do meu cérebro já corroído
pelo tempo e pelos escolhos

Acordo, escrevo que acordo
porque já não estou a dormir
e a sonhar que estou no porto
para embarcar para o porvir
que já veio, que é este corpo
que transporto e que me faz cair
e levantar; que anda direito, torto,
curvado; que me faz chorar, rir,
sangrar, e ai de mim se não acordo
com ele, ficarei para sempre a dormir

sábado, 24 de janeiro de 2015

Uma oração

Subam, subam a este coruchéu,
de lá estão mais longe da terra
e mais perto da abóbada do céu,
admirem a beleza que ela encerra

Subam, subam a este minarete,
de lá podem ver esta multidão
coberta de preto e de verde,
ela está a rezar colada ao chão

Subam, subam aos picos destas torres
que têm no cimo luas ou cruzes,
aliviem assim as vossas dores
beijando o céu e as suas luzes

E rezem, e orem, e implorem
ao vosso Deus para abençoar
a vida, as flores, o ar, o homem,
o trigo, o sol, a lua, o mar

E que espalhe a paz e a harmonia
entre os homens de boa e de má
vontade, que pare esta sangria
de terror por amor a Ele ou a Alá

Orem e mirem as estrelinhas
no imenso firmamento a brilhar,
estão a conversar quietinhas,
ou estarão elas também a orar?

Subam, subam a este coruchéu,
subam, subam a este minarete,
orem de pé, ou curvados, com véu,
ou sem véu, a falar ou em falsete

Orem sob cruzes, ou sob meias-luas,
ou junto ao muro, mas orem pela paz,
pela harmonia, que parem as lutas
por Deus, elas só servem Satanás

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

- Momentos de uma viagem -
Névoa em Copenhaga

Névoa alta em Copenhaga
e não se vê quase nada
do céu
e a névoa alta insiste em Copenhaga
e não se vê o céu,
nem de noite, nem de dia,
nem de madrugada
em Copenhaga

E há quem resista em Copenhaga
com névoa alta eterna e fria,
eu também resisto,
mas por pouco tempo,
deu-me a melancolia,
quero a luz do sol,
quero a luz da lua
das minhas terras do sul,
quero essas luzes,
mesmo quando brilham com frio
nas minhas terras do sul

E aí vou eu a descer
para o sul,
este norte sem montanhas e sem luz
faz-me doer,
e aí vou eu a descer para o sul,
ainda bem que é sempre a descer

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

- Momentos de uma viagem -
O pólo Norte

E o cavalo de ferro sobe, sobe,
vai pela estrada
que nos conduz ao grande norte,
e se a Terra não fosse
assim, redonda e levemente achatada,
e se não tivesse pólos,
e se não tivesse gravidade,
e se não tivesse estes solos,
ora verdes, ora brancos gelados,
ora planos, ora montanhosos,
ora precipícios, ora vales cavados,
e se não tivesse água, ar, nuvens,
e se não tivesse ... e se não tivesse ...

E o cavalo de ferro sobe e sobe
rumo ao grande norte,
pena é que não vá
até aonde eu quero ir,
até ao Cabo do Norte,
e eu quero lá ir porque ele está lá
e porque depois dele o norte
é só mar e gelo, o mar glacial
e o frio polar do pólo Norte

Sobe, sobe, ó meu cavalo de ferro,
leva-me até aonde puderes

domingo, 18 de janeiro de 2015

A culpa é do arcanjo

O alvor ainda tardava no deserto
quando se vê uma luz forte e resplandecente
a descer do céu meio encoberto,
até parecia que o sol nascente
estava a nascer antes de nascer

Anunciou-se o arcanjo,
o arcanjo Gabriel,
- sou um mensageiro com asas de anjo
e desci a este bordel
que é o planeta Terra
para repetir a palavra de Javé -

Desta vez quem escutou o arcanjo
foi um guerreiro beduíno,
o arcanjo vestia um manto branco
e falou em árabe clássico,
já tinha esquecido o aramaico

E a palavra de Javé
foi novamente gravada e escrita,
continua a insistir na fé
em um só deus, o único que dá a vida
eterna a partir do dia do juízo final
para quem não se portar mal

E esta mensagem deu bem nas vistas,
mas veio provocar muita confusão:
cruzadas, guerras santas, conquistas,
terror, bombas, mísseis, barbárie, maldição,
e, pelos vistos, não há solução

Mas eu acho que há uma solução,
talvez a única,
o arcanjo Gabriel tem que vir outra vez à Terra
para pôr fim a esta confusão,
pode vir com a mesma túnica
e até já pode vir com a palavra impressa,
tem é que pôr fim a esta confusão

Ó arcanjo, ó arcanjo Gabriel,
desce até nós outra vez,
vá lá, nada receies,
se quiseres, desta vez
até podes falar em português

sábado, 17 de janeiro de 2015

- Momentos de uma viagem -
Helsingør

I'm in Helsingør
and I sing a sad song,
a sad song in the streets of Helsingør
I sing,
but I want to stay a little while longer
in Helsingør,
maybe I will hear
the voice of a ghost
in the harbour,
or coming from the sea
in the wings of a seagull,
telling me
 "To be, or not to be,
that is the question..."

Yes,
I will stay a little while longer
in Helsingør,
but do not worry,
nobody is waiting for me
in Helsingborg,
and the North,
the North I want to reach,
the North I want to breathe,
is always there waiting for me

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

- Momentos de uma viagem -
Hauptbahnhof

Estou numa estação de comboios na Alemanha,
está sempre um comboio a parar e outro a abalar,
circula muita pressa e muita gente estranha
para mim que não sou de cá, vim só observar

Uma estação de comboios serve para partir
e para chegar, não serve para ficar parado,
assim como eu estou, estático a reflectir,
como se o meu mundo fosse só este estrado

Mas eu sei que os comboios circulam em linhas
feitas de ferro pregadas ao chão que não torce,
são linhas paralelas, contínuas e certinhas

Que aguentam as carruagens e o seu reboque
e servem as estações grandes e pequeninas,
se eu lhes pedir levam-me até Vladivostok

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

- Momentos de uma viagem -
Thalys

Estou na Gare du Nord, Paris
e quero apanhar o Thalys
para a Gare du Midi,
Bruxelles

Estou na Gare du Nord, Paris,
e quero ir para norte,
para o norte que nunca me quis,
e quero apanhar o Thalys

O Thalys
é um comboio de alta velocidade
que nos leva até Amsterdam,
via Bruxelles Midi,
mas é muito caro
e não me quer levar,
a mim e ao meu trolley encarnado
de marca branca
e ao meu saco cinzento escuro
de surro

E o Thalys não me quer levar
para o norte,
só aceita passageiros com ar
de aristocratas ou de turistas com porte
elegante e com aspecto de viajar
sempre em classe conforto

Mas, por que razão não me queres,
ó Thalys,
eu sei que não tenho ar de ter une Mercedès
nem um saco Hermès,
nem uma mala Louis Vuitton,
mas olha bem para mim, ó Thalys,
lavo-me todos os dias com champô
ultra-suave Garnier
e com sabonete de finas ervas RogeR&Gallet,
depois vaporizo-me com Ferragamo
e embrulho os meus pés
com cremes de lavanda e aloé

Meu caro Thalys,
não me aceitas com o meu passe
de viajante de segunda classe,
está bem,
mas prometo-te, ó vaidoso Thalys,
que hei-de ir para o norte
nos mesmos carris
e à mesma velocidade que tu vais

Le Thalys va partir,
attention à la fermeture automatique des portes,
attention au départ

Vai, vai, Thalys
e que sejas muito feliz

domingo, 11 de janeiro de 2015

- Momentos de uma viagem -
Tirem-me o niqab

Sou uma jovem árabe,
sou de tez morena, sou bela,
sou um amor
e já entrei há muito na puberdade,
o meu corpo é calor,
é entusiasmo, é alegria, é orquestra
afinada,
mas só posso sair com o niqab
e assim ninguém vê a minha beleza,
porque o meu corpo,
o meu sangue, o meu coração, o meu choro,
estão cobertos de cor preta,
e assim ninguém me vê e ninguém sabe
que sou bela,
e é preto o meu niqab,
tirem-me o niqab

O meu irmão também é belo
e sai à rua de cara ao léu
e de peito destapado,
o meu irmão é muito belo
e a minha amiga,
que também é muito bela,
gosta dele,
mas ele só vê os olhos dela,
peca se conseguir ver mais,
a não ser que se case com ela,
mas ele não sabe se gosta dela
porque é preto o seu niqab,
tirem-lhe o niqab

Tirem-me o niqab, deixem-me ver,
deixem-me respirar,
deixem-me ser bela,
deixem-me viver,
mas vou ter que casar,
o meu pai diz que vou ter que casar
com o meu primo,
o meu primo velho e que cheira mal
e que já me viu sem o niqab,
vou casar
com o meu primo velho e que cheira mal,
só ele me vai ver sem o meu niqab,
só ele me vai ter virgem, nua e animal,
sim, nua e animal, mais nada,
afinal, vou casar com o meu niqab,
por favor, tirem-me o niqab

Tirem-me este trapo
que me atrapalha,
tirem-me este farrapo
que me esfarrapa,
que me faz doer,
tirem-me o niqab,
não me quero esconder

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

- Momentos de uma viagem -
Paris

Paris, Paris,
quem te disse
que eu não quis
dormir nos teus braços
quando os meus sonhos
tinham sabores infantis

Paris, Paris,
quem te disse que eu não te quis
quando acolheste em bidonvilles
gentes do meu país,
gentes fortes que trabalharam para ti,
gentes fortes que agora já estão a cair
com o peso da idade e do muito trabalho
e que não sabem onde tombar,
se no local onde nasceram, se dentro de ti

Paris, Paris,
e eu não sou um dos teus
porque assim calhou, porque não emigrei
nos tempos em que no meu país
a sorte vinha pelos correios
em jeito de "carta de chamada"
e o número de uma barraca
num dos teus bidonvilles

Paris, Paris,
e se agora fosse um dos teus
também teria dúvidas onde cair,
se dentro de ti, se na terra onde nasci

Paris, Paris,
continuas aqui
e eu sempre que posso
venho até ti

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

O Charlie Hebdo e o meu amigo Mé Mé

Tenho um amigo que se chama
Mé Mé,
é alentejano de gema
e tem sido sempre um bom Mé
para mim
e nunca um mau Mé

Se ele fosse de Mértola,
seria o Mé Mé de Mértola,
se ele fossa de Moura,
seria o Mé Mé de Moura,
mas ele é de Vendas Novas
e de figura entroncada e baixa,
e assim já não encaixa

O que encaixa
é que se ele fosse mau Mé
já teria dado baixa
da sua amizade, da sua voz,
talvez com um mortal pontapé,
talvez com uma rajada de kalashnikov
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Estou solidário com o Charlie Hebdo,
viva a liberdade, abaixo os fanáticos
de profetas e de deuses sanguinários
e desconhecidos, são uns velhacos
Uma história urbana muito simples

Um prédio com muitos andares,
muitos apartamentos,
muitas janelas e estendais,
muitos moradores e pensamentos,
muitas portas, escadas, corredores,
barulho, dramas, almas, lamentos,
condutas, canos, elevadores,
cães, gatos, roedores

E foi nesse prédio que o cão do vizinho
quis cheirar a cadela da vizinha,
cheirou e gostou tanto
que se apaixonou,
que se apaixonaram,
saltavam, corriam, cheiravam,
no elevador, no corredor,
na entrada, na saída,
no vão das escadas,
era uma alegria

A vizinha pedia ao vizinho
para levar o seu cão à rua,
não aguentava os ganidos da sua
cadela, o vizinho
também não aturava
o seu cão que ladrava
e ladrava

Fizesse frio, fizesse calor,
o vizinho começou a passear o seu cão
ao mesmo tempo que a vizinha passeava
a sua cadela, eram um amor

Depois vieram os rumores,
o cão do vizinho
fugiu com a cadela da vizinha
e o vizinho com a vizinha,
eram uns amores

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

- Momentos de uma viagem -
Bordéus

Sob o tecto da estação de Bordéus
peço a todos os santos,
a todos os santos dos céus,
que me deixem tranquilo,
que não me condenem,
que me envolvam antes em véus
de seda pura para me protegerem
dos pecados, do mortais e dos veniais

Sob o tecto da estação de Bordéus
peço a todos os homens deste abrigo,
a nossa Terra,
que não invoquem mais os nomes de deus
para justificarem a guerra,
o ódio, os sacrifícios, a fome,
a inveja, a morte, a maldade,
quero continuar a acreditar num homem
racional, pacífico, ecológico, solidário,
não me desiludas, ó humanidade,
o bem-estar pode chegar a todo o terráqueo
e a miséria não tem que ser uma fatalidade,
que se valorize menos o capital
e muito mais o trabalho,
que os meios de produção apenas contribuam
para o bem-estar e para a paz,
que todos os trabalhadores aufiram salários
que permitam uma vida com dignidade
onde não falte "o pão, a habitação, a saúde
e a educação"

Sob o tecto da estação de Bordéus
estou sentado a pensar,
questiono a pertinência
do existir, do ser, do estar,
questiono a divindade e a essência
do sobrenatural,
duvido da bondade da inteligência
do homem,
esse animal racional
que domina a matemática, a ciência,
a arte, a filosofia, o direito, a economia,
mas que é mais canibal
do que qualquer outro animal

Mas o que é que me deu
para estar assim a cogitar
sob o tecto da estação de Bordéus?
porquê esta sensação de mal-estar
que me consome e nada resolve?
é melhor olhar para o "placard"
que anuncia a certeza dos horários,
olho e volto-me para o "horloge",
ai que me estou a atrasar,
vou no trem das dez e trinta e três,
vou para Limoges
e não me perguntem porquê,
vem meu "trolley",
vem depressa,
temos mais uma viagem para fazer,
vem depressa, vem depressa
que o maquinista está com pressa

sábado, 3 de janeiro de 2015

Versos sonhados

Escrevi versos a sonhar,
escrevi-os numa folha de papel,
eram versos de sonho,
soavam-me lindos e doces como o mel,
ao escrevê-los senti-me a flutuar
em paisagens tom de pastel,
era um ambiente estelar
pleno de flores, borboletas,
louva-a-deus e sarças a arder

Mas eram versos estranhos,
escrevia-os, mas não os lia,
não reconhecia as letras,
nem sequer o refrão,
escrevia-os, mas não os entendia,
seriam uma revelação?
seriam uma profecia?

Não sei,
não os decorei,
nem os copiei, nem os gravei,
nem trouxe a folha de papel,
ela voou-me antes de eu acordar,
mas ficou-me o sabor a mel

quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

- Momentos de uma viagem -
O tempo

Muitos anos depois,
já maduro,
volto ao mesmo sítio
e sento-me no mesmo muro
a contemplar a mesma cidade,
o mesmo lago, o mesmo rio

Está tudo na mesma,
menos eu que estou assim,
o tempo não passou pelas coisas,
mas passou por mim,
passou e deixou mossas

O tempo,
sempre o tempo,
mas onde estive eu
no meu tempo
que passou?

Não respondo,
é uma maçada,
o tempo está bom,
levanto-me, subo a calçada
e aperfeiçoo o tom
da minha balada,
a balada do tempo que passou

Chego
ao cimo da calçada
e esmoreço,
mas procuro o favor do vento
e desço a mesma calçada
para passar o tempo,
mas não mudo de balada,
nem de andamento,
não, não volto a subir a mesma calçada,
viro à esquerda e sigo o rio,
uma ponte, outra ponte,
mais pontes,
acabou a cidade,
o rio continua para o horizonte,
eu volto para trás, pelo outro lado,
e contemplo outra vez o lago
a abastecer o rio e a desejar-lhe
uma boa viagem e um bom fado

Cai a noite, o escuro
invade-me e deixa-me sentado
no mesmo muro,
estou a ver o mesmo lago,
estou a ver o mesmo rio,
não tenho fome, não tenho frio,
deixo-me estar,
só estou a tentar matar o tempo,
mas acho que não o matei,
ele é que me está a matar
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Um feliz 2015 para todos