segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

- Momentos de uma viagem -
Bordéus

Sob o tecto da estação de Bordéus
peço a todos os santos,
a todos os santos dos céus,
que me deixem tranquilo,
que não me condenem,
que me envolvam antes em véus
de seda pura para me protegerem
dos pecados, do mortais e dos veniais

Sob o tecto da estação de Bordéus
peço a todos os homens deste abrigo,
a nossa Terra,
que não invoquem mais os nomes de deus
para justificarem a guerra,
o ódio, os sacrifícios, a fome,
a inveja, a morte, a maldade,
quero continuar a acreditar num homem
racional, pacífico, ecológico, solidário,
não me desiludas, ó humanidade,
o bem-estar pode chegar a todo o terráqueo
e a miséria não tem que ser uma fatalidade,
que se valorize menos o capital
e muito mais o trabalho,
que os meios de produção apenas contribuam
para o bem-estar e para a paz,
que todos os trabalhadores aufiram salários
que permitam uma vida com dignidade
onde não falte "o pão, a habitação, a saúde
e a educação"

Sob o tecto da estação de Bordéus
estou sentado a pensar,
questiono a pertinência
do existir, do ser, do estar,
questiono a divindade e a essência
do sobrenatural,
duvido da bondade da inteligência
do homem,
esse animal racional
que domina a matemática, a ciência,
a arte, a filosofia, o direito, a economia,
mas que é mais canibal
do que qualquer outro animal

Mas o que é que me deu
para estar assim a cogitar
sob o tecto da estação de Bordéus?
porquê esta sensação de mal-estar
que me consome e nada resolve?
é melhor olhar para o "placard"
que anuncia a certeza dos horários,
olho e volto-me para o "horloge",
ai que me estou a atrasar,
vou no trem das dez e trinta e três,
vou para Limoges
e não me perguntem porquê,
vem meu "trolley",
vem depressa,
temos mais uma viagem para fazer,
vem depressa, vem depressa
que o maquinista está com pressa