segunda-feira, 18 de agosto de 2014

O labirinto e a Rosa dos Ventos

Estou a ficar desorientado, sem norte,
já não me lembro por onde sai o caminho
que me leva daqui para fora,
para fora deste labirinto,
não quero ficar aqui dentro, à nora,
sem demora, quero ir embora,
quero seguir o meu destino

Quero libertar-me deste labirinto,
quero descobrir o caminho
que me leve para o infinitamente
grande, ou para o infinitamente pequeno,
ou para as latitudes de ar húmido e quente,
ou para as alturas que se debruçam abruptas
em abismos abissais impenetráveis,
pode ser um caminho que vá sempre em frente,
ou um caminho que tenha curvas,
ou que percorra desertos com miragens,
ou que me faça mergulhar em águas turvas,
ou em águas turbulentas e cristalinas,
não me interessa, quero é descobrir o caminho
que me tire desta confusão, destas esquinas
labirínticas, sem contornos, sem perspectivas

E um caminho é sempre um caminho,
está traçado, já por lá passou alguém,
tem valetas, tem geometria, tem um destino,
que pode ser o seu fim, ou ir mais além,
até se cruzar com outros caminhos

Mas não me interessa
para aonde me levam os caminhos,
quero é saber onde começa
o caminho que sai deste labirinto,
porque tenho pressa de sair,
tenho pressa de fugir,
porque já sinto um cheiro a réptil,
ou um cheiro a um qualquer sauro,
será que me soltaram o Minotauro?

- Sim, soltaram-te o Minotauro,
e as suas garras são poderosas,
foge delas, corre, vai pela esquerda,
corre mais, agora vira à direita,
cuidado com essas poças
de lama e de merda,
não toques na parede desfeita,
corre ainda mais, vai sempre em frente,
agora desce esses degraus,
cuidado, não escorregues,
não olhes para os vãos
e agarra-te bem ao corrimão,
ao fundo do corredor vê se consegues
subir a escada e abrir o alçapão,
isso, conseguiste, não esmoreças,
segue sempre em frente, não corras,
cuidado, não te apoies nas maçanetas,
algumas delas abrem as masmorras,
agora vira à direita, outra vez à direita,
agora já à esquerda,
pára, enganaste-te, volta atrás
e vira logo à direita que era
a tua esquerda,
isso, agora calma, caminha mais devagar,
não, não vás por essa porta aberta,
segue o corredor,
ó, apagou-se a luz,
pára, espera,
estás a ouvir uma voz, um clamor?
não lhe ligues, é um embuste,
mas estás ainda no túnel
e sem luz, sentes calor?
claro que sentes calor,
experimenta seguir em linha recta,
não, não, assim não, estás a ir aos tombos,
endireita-te, cuidado com a cabeça,
já estás perto da saída,
caíste, levanta-te, endireita os ombros,
foi só uma pequena caída,
mais uns passos, mais uns passos,
já não há escombros,
já vês a saída? -

Sim, já vejo uma luz ao fundo,
vou correr, vou correr,
vejo uma saída, vejo uma saída, vejo uma saída,
não vou ainda morrer, não vou ainda morrer,
viva a vida, viva a vida,
saí do labirinto, saí do labirinto,
mas quem me pôs lá?
mas quem me tirou de lá?

Não interessa, não interessa,
já estou cá fora,
saí do labirinto, saí do labirinto,
agora tomo este caminho,
vou-me embora, vou-me embora
luz, luz, luz, luz, tenho a luz do sol,
vou-me já por este caminho
- vai que vais bem, esse caminho leva-te para o norte -,
diz-me a Rosa dos Ventos,
e vou mesmo, assim já não voltarei a perder o norte,
e no norte, mesmo lá no norte,
encontrarei a terra dos silêncios
e a vastidão dos gelos eternos
que congelam tudo, tudo, até a morte