sábado, 27 de setembro de 2014

Hoje vou cavar

Hoje vou cavar,
uma cova aqui, outra acolá,
na cadência da enxada,
a de pontas, não a rasa

Hoje vou cavar
esta terra escura
esta terra de falgar,
esta terra dura
se a seca durar

Vou cavar hoje
porque já chove,
cavo, faço covas,
mas algo se move,
são as minhocas

Cavo e cavo e cavo,
e acima e abaixo
e já estou a dar cabo
do cabo da enxada,
quero antes um sacho

E o sacho também pesa,
ou está mal encavado,
vou mas é cavar daqui,
afinal sou da realeza,
alguém que cave por mim

Sim, porque eu sou Rei,
o rei galo entre os galos,
e um Rei tem que reinar,
não tem que ter calos
nem canetas para cavar

Só se tiver que dar à sola
do reino, do povo, do clero,
e se tiver, deixo o sacho e a sachola,
ó pernas para que vos quero,
cava ó Rei daqui para fora

E então diz a Rainha irada,
"para que queres a enxada?
toca a cavar, toca a cavar,
quero nabos e couve lombarda
para o almoço e para o jantar"

Coitado deste humilde Rei,
o Vitório Rei, o sorna,
para não ter que ganhar a jorna
a cavar com a enxada ou com o sacho,
tem que cavar daqui para fora

E ninguém o compreende,
é que só tem canetas para escrever
e calos no dedo onde prende
a caneta para escrever

Vá lá, deixem-se de tretas,
não obriguem o Vitório Rei a cavar,
falta-lhe a vontade de suar
e a força nas canetas

Vá lá, digam à Rainha
para deixar o Rei descansado,
até porque hoje é sábado