segunda-feira, 29 de setembro de 2014

A motosserra

A motosserra começa a serrar de madrugada
e serra e serra, sempre a gemer,
serra na encosta da serra e serra a árvore
quando lhe afinca os dentes de aço
acorrentados numa corrente que desanda
com força e sem piedade e corta
e corta o tronco da árvore e depois os ramos
e só deixa o cepo e as raízes fundas enterradas
na terra que irão germinar outra vez,
talvez

E a árvore sangra e sangra
e chora e desiste e cai catrapuz,
cai direita com estrondo
sem torcer o tronco
e a motosserra sempre a serrar
na encosta da serra
e ouve-se o seu barulho teimoso
e não desarma e faz faíscas
e serra e serra o osso
na encosta da serra

A motosserra serra e serra
e quem a comanda é o serrador
ou o lenhador ou o rachador
e agarra-a com ambas as mãos
e aguenta os seus coices
e os seus engasganços
e absorve a serradura
que lhe entra pelas ventas
e pela dentadura

E o barulho da motosserra
continuou o dia todo
na encosta da serra
e só parou e só parou
quando a noite começou,
e quando me deitei,
já noite adentro,
ainda ouvia o som da motosserra

Como terá adormecido
o serrador?