sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Sirvam-me

Se tenho sede, bebo água,
água pura das fontes e minas
que me chega aqui a casa
por canais e serpentinas,
e chega cá e não vasa,
sirvam-me água cristalina

Se tenho fome, como,
como o que compro
e não o que semeio,
nem o que cultivo,
sirvam-me o centeio,
sirvam-me o trigo

Se tenho frio, protejo-me
com tecidos que não teço,
com sapatos que não coso,
com lenha que não corto,
não passo de um ocioso,
mas sirvam-me o conforto

Se estou doente, vou ao médico
e digo-lhe "dói-me aqui e aqui
e quero que me dê um remédio
que me cure, quero o meu xixi
clarinho e o meu coração a bater
sempre, sirva-me, não quero morrer"

Mas afinal não faço nada,
nem a bota, nem a perdigota,
e já me disseram pela calada
que quando bater a bota
não irei pela minha mão,
levam-me, melhor, levar-me-ão

Pois, pois, não vou, levar-me-ão,
mas, então, os que me derem a mão
sirvam-me um humilde esquife de papelão
e vistam-me apenas um calção,
ou levem-me antes todo descoberto,
assim mesmo, todo descoberto,
para não sentir tanto o aperto