quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Ó fada boa

Ajuda-me, ó fada boa,
quero saber se nasci
de cabeça,
ou virado do avesso,
ou se já vinha de cócoras,
como estou agora

Ajuda-me ó fada boa
a ter uma vida boa,
boa como o milho,
de que se faz a farinha,
de que se faz o pão,
de que se faz a açorda
quando o pão já tem gota

Ajuda-me ó fada boa
a ser ruim,
ruim como as cobras
que são tão mazinhas
que só rastejam,
coitadinhas

Ajuda-me ó fada boa
a cortar este nó górdio
que me agarra ao absurdo
do conteúdo deste mundo
envolto em vapores de ódio
e minado com bombas e mísseis
e canhões e guerreiros
e armas de destruição maciça,
visíveis e invisíveis,
que prometem grandes feitos
quando explodirem

Responde-me ó fada boa,
porque é que o homem
não é capaz
de viver em paz?

E a fada boa desapareceu
da vista da minha janela
e nem uma palavra me deu,
e eu que acredito em fadas,
sobretudo nas que poisam
na minha janela

Mas esta foi-se e nada me disse,
e agora, só com a minha janela,
vou continuar a ler o Camilo José Cela
que me explica que tudo isto é parvoíce
que não há fadas, nem paraíso,
que não valemos um chavelho,
que somos feitos para ser desfeitos,
e que acabamos tortos, sem juízo,
e com as tetas fora dos peitos

E pergunto eu:
será que o homem imundo
merece este mundo?