quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

É Natal e confesso-me

Sim,
confesso que me limito a ser
um observador
de pessoas que vivem fora,
à margem, sem calor,
com rostos assustados
e que mostram a quem passa
sorrisos desdentados
que pedem, apenas, menos desgraça

Sim,
confesso que sou só um observador,
disfarço, observo quase sem olhar,
sim, disfarço,
finjo que não vejo e depois fico calado,
calado, mas quase a chorar,
e fico com a alma em cacos,
destruída,
mas não é com estes pedaços
da minha alma partida
que dou mais vida
aos rostos despedaçados

Sim,
confesso que sou um egoísta,
não passo frio, nem fome,
mas ao meu lado há gente
com frio e que não come,
são pessoas sem nada, indigentes,
pessoas com memórias e que têm nome,
mas só o dizem entre dentes:
- olá meu caro senhor, qual é a sua graça?
- chamam-me "o sem abrigo",
mas moro aqui,
mesmo no centro da praça

Sim,
não tenho frio, nem fome,
mas confesso que sou um egoísta,
sim, sou um egoísta
porque não chego a quem não come,
a quem tem frio,
sim, sou um egoísta,
sim, é Natal e confesso-me