quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Labaredas no Dia das Cinzas

Ó labaredas de maus agoiros,
não me queimem,
queimem esses madeiros
de sândalo do Jardim do Éden,
mas não me queimem a mim

Ó labaredas ateadas
pelo fogo eterno
que consome as achas
empilhadas do céu ao inferno,
fogo etéreo e terreno,
não me queimem,
não me transformem em pó,
nem em braseiro,
beijem-me, beijem-me só,
eu sou benfazejo
e não mereço o fogo,
o fogo do inferno

Ó labaredas eternas,
queimem antes aqueles
que pregavam nas igrejas
o fogo do inferno
quando eu era pastorinho
das minhas ovelhas,
do meu cordeirinho,
e ai de mim, ainda menino,
se não fosse obediente,
penitente, crente, temente,
iria arder para sempre
no fogo eterno do inferno

Ó labaredas eternas,
queimem antes aqueles
que continuam a vender
infernos e paraísos,
uns a a mentir,
outros fardados de negros profetas
carregados de explosivos
e de mórbidas promessas
(tens trinta e três virgens
à tua espera no paraíso),
ó labaredas eternas,
queimem antes esses,
não me queimem a mim

Labaredas no Dia das Cinzas
e eu a arder de fúria
por não entender
nada desta balbúrdia
de religiões, de dogmas, de deuses,
não entendo nada, mas apetece-me dizer
que se o homem não sustentasse deuses,
nem endeusados,
talvez houvesse mais paz,
talvez andássemos menos angustiados