sábado, 12 de julho de 2014

Debaixo da parreira da dona Maria Emília

Para ir dar um beijo à dona Maria Emília,
tenho que descer o íngreme caminho
que me separa do vale, do Vale da Ceta,
mas quando lá chego, cheira-me logo a simpatia
e a tudo o que me recorda a crueza
da vida de uma pessoa tenaz que subia
o mesmo caminho de bicicleta
carregada de chaputa e de sardinha
para vender bem no cimo da serra
nos tempos em que uma sardinha
era para mais do que um e se berravas
por mais ias pegar logo na forquilha
e tirar o esterco às vacas
para saberes o que custava a vida

E a dona Maria Emília
ainda me dá sardinhas
que eu como debaixo da sua parreira
assadas com toda a perícia
e acompanhadas com salada, batatas e pimentos,
tudo regado com vinho tinto à maneira,
e na companhia da sua família,
sempre alegre, sempre porreira,
tudo uma delícia

Um gosta muito de pimentos,
mas só dos vermelhos,
os verdes provocam-lhe indigestão
e incham-lhe os artelhos

O outro come e bebe de tudo,
e depois de tudo comido e bebido
diz que tudo o que come e bebe
lhe faz mal a tudo, e eu condoído

E eu debaixo daquela parreira
também como e bebo de tudo,
e se não estivesse quase barrigudo
ainda bebia mais da velha bagaceira

E, bem satisfeito,
volto a subir o íngreme caminho
que me leva ao lugar da Perulheira
mas tenho que respirar fundo e encher o peito,
e quando chego ao cimo
imagino como era dura
a vida da dona Maria Emília
que subia o mesmo caminho
de bicicleta carregada de chaputa
e de sardinha

Bem haja dona Maria Emília