segunda-feira, 21 de julho de 2014

Noite de lua cheia

Noite de lua cheia e perdi-me na floresta,
desorientei-me,
e apareceram logo os lobos, as bruxas e os lobisomens
e, em círculo, deram início à festa

Acenderam uma fogueira com achas e caruma,
e em cima de uma trempe gigante
colocaram um panelão com água benta
que não demorou muito a levantar fervura

Animou-se o festim
quando soaram as doze badaladas,
mas que frenesim,
começaram a lançar para o panelão a ferver
muito louro, muita pimenta,
muito sal, muita banha, muito colorau,
enquanto entoavam cânticos às almas penadas
e liam em voz alta a ementa
do manjar do sarau:
corpo de humanóide, cortado aos bocados,
estufado em molho picante, servido em salvas de prata,
acompanhado com abrolhos crus, alhos laminados,
malaguetas desfeitas, trovisco seco, maçaroca assada
e esparregado de nabiças com espinhos de cardos

Noite de lua cheia, meia noite,
e eu perdido na floresta entregue às bruxas
e à sua malévola companhia,
e vou ser o seu repasto, a alcagoita
que vão mastigar até ficarem embuchadas

Mas logo eu que sou tão gordo, tão toucinho,
tão cheio de colesterol e de triglicerídeos,
com tanto veneno no sangue, tão feiinho,
não, não mereço tal destino:
ser cozido num panelão em água benta a ferver,
será que ninguém me está a ver?
será que ninguém me vai valer?

E, ao ver as bruxas com tridentes,
um lobisomem com uma catana na mão
e os lobos a arreganharem os dentes,
comecei a ter a sensação
que já era, já fui, adeus minha gente,
adeus

Foi quando acordei,
estava encharcado em suor frio
e a tremer,
mas estava inteiro e vivo, que alívio,
foi apenas mais um dos sonhos
estapafúrdios que costumo ter,
e garanto-vos que vi bruxas desdentadas
lobos esfomeados e lobisomens de fraque
que me queriam para o seu manjar,
acreditem, é mesmo verdade