segunda-feira, 9 de março de 2015

Cantiga a um desafinado

É mesmo verdade,
nasci sem diapasão
e sou desafinado,
tenham dó do meu coração

Sou desafinado, que vergonha,
quando os sons das notas musicais
passam pelas minhas cordas vocais
sofrem uma entorse e a minha sanfona
é um repertório de sons disfuncionais:
o dó sai-me aos bocadinhos;
o ré lembra o mé-mé
tremido dos cordeirinhos;
o mi soa a um falso ré;
o fá não me sai;
o sol não nasceu para eu o cantar;
o lá ainda vá lá que não vá;
o si é-me impossível;
o dó, outra vez o dó,
tenham dó de mim,
as minhas harmonias vocais
soam desamparadas, é um chinfrim,
não me culpem

A cantar sou vesgo, como Estrabão,
mas gostava tanto de cantar afinado,
nem sequer o "ó malhão, malhão"
me sai bem,
quero o ré e sai-me o mi bemol,
mas gostava tanto de cantar afinado,
dó, ré, fá, sol, lá, si, dó,
faltou-me o mi,
tenham dó, tenham dó de mim,
vou tentar outra vez, "ó malhão, malhão",
não deu, não deu,
nem sequer o "ó malhão, malhão",
não me culpem,
ouçam antes o que o poeta cantou:
"no peito dos desafinados também bate um coração"