terça-feira, 8 de abril de 2014

Relato de uma procissão

Quando eu era menino
alguém me levou pela mão
a uma procissão
à Moita do Martinho

À hora marcada
junto à Igreja Paroquial
organizou-se a marcha
da procissão quaresmal
debaixo de muita água
e de forte vendaval
e a ameaçar trovoada

Na frente iam uns senhores
vestidos com fatos roxos
e atrás os seguidores,
incluindo alguns coxos,
e a Senhora dos Remédios
vestida de várias cores
e enfeitada com lírios e camélias

E já era noite escura
quando a procissão seguiu
para o lugar da Moita do Martinho
comandada pelo senhor Cura
e quase ninguém sentiu
o primeiro redemoinho
gerado pelo vento e pela chuva

Já o cortejo tinha percorrido
algumas ruas daquele lugar
quando um forte estampido
fez estremecer a terra e o ar,
era o barulho de um trovão
que silenciou o som da procissão,
pois toda a gente parou de rezar

Esse trovão terá rachado
a bola de fogo que sobrevoava
aquele tranquilo povoado
e originou uma terrível trovoada
que pôs a procissão a rezar credos
à bendita Santa Bárbara
esquecendo a Senhora dos Remédios

E foi tão forte a trovoada
que os fiéis menos convictos
retiraram em debandada
e a procissão quase dava em nada
quando uma mulher aos gritos
exigiu que a Santa desse entrada
no seu pátio cheio de bacoritos

Tanto implorou, tanto gritou
que a procissão que restou
entrou mesmo naquele redil
e foi abençoada uma marrã
que estava quase a parir
para que a ninhada saísse sã
e deixasse aquele lar mais feliz

O que se passou a seguir
já não me recordo bem,
só sei que cheguei a casa todo molhadinho
e a tremer de medo e de frio,
e mesmo o calor do colo da minha mãe
não evitou que eu ficasse doentinho,
com tosse, febre e muita pieira,
e fui tratado com caldos de galinha
e xaropadas de açúcar, mel e chá de carqueja