terça-feira, 29 de abril de 2014

Preto no branco

Eu tenho um amigo que é racista,
esperem, ele não defende os arianos puros,
aqueles branquinhos sardentos de olho azul,
até porque ele tem a pele e a vista
da cor dos caucasianos escuros,
daqueles que nascem na Europa do Sul
que são quase da cor dos africanos
que nascem na África do Norte

O que o meu amigo diz
é que não suporta
tanto africano a viver na Europa
- pois eles não são... como se diz...
brancos, como nós; são pretos,
pronto, já disse, são pretos,
cheiram muito a catinga
e devem ficar na terra deles -

Eu tenho um outro amigo
que também é racista
e não gosta que os brancos
vivam na terra dele em África,
diz que cheiram a alpista
e que comem os frangos
sem cachupa ou moamba

Eu explico aos dois que a cor da nossa pele
resulta de um processo de pigmentação
que nos defende do meio ambiente hostil
e que por dentro temos o mesmo coração,
as mesmas células, o mesmo sangue cor de rubi

E digo-lhes também que se os africanos
invadirem agora a Europa
têm o direito de fazer aos brancos
o mesmo que estes lhes fizeram outrora,
há cerca de quatrocentos anos

(os africanos foram conduzidos ao som do tambor
para navios de carga, onde foram embarcados
como carga geral com destino à América,
nem sequer tinham espaço para chorar, para aliviar a dor,
eram apenas escravos contados à tonelada,
sem terem direito, pelo menos, a uma expressão numérica)

Mas não se vai repetir a História,
e por uma simples razão:
os brancos europeus já não se dedicam à sua reprodução
e, pelo andar da carruagem, daqui a quatrocentos anos
serão uma minoria, ou estarão mesmo em vias de extinção

E descansem que eu não descubro
mais amigos para esta história,
poderia arranjar um amarelo, um rubro,
um rosa albino ou um feito de mixórdia,
mas não, fico-me apenas por um preto e um branco,
assim mesmo, preto no branco