terça-feira, 3 de junho de 2014

O pecado

Ele caminha aos tombos
porque carrega aos ombros
o fardo dos pecados,
e quanto mais peca
mais ficam pesados,
ele e o fardo,
e o pecado é, por vezes, mortal,
para quem quer ser imortal
como ele que caminha aos tombos

Mas ele terá mesmo pecado?

Depende do que é pecado
e de quem é o pecador,
dizem os esclarecidos
nos dogmas de fé
e nas normas da moral
e que sabem explicar os escritos,
e os usos, e os costumes, e as tradições,
que distinguem o bem do mal

E explicam também como é
o paraíso
onde corre o leite e o mel
e a felicidade eterna
e dizem que só entra lá quem tem fé
e não peca

Mas eu não estou esclarecido,
acho que tudo é relativo
e vejo-me aflito
para entender como é que o paraíso,
para além dos seus rios de leite e de mel,
seguramente com recantos acolhedores,
está pleno de jovens virgens
que aguardam a chegada dos fornicadores
a transbordarem de tesão
depois de ficarem em fanicos
nos terreiros dos sacrifícios,
eles e quem estava mais à mão

E eles, que rebentam bombas
agarradas ao corpo,
têm muita fé, são uns queridos,
e os seus sacrifícios são honras
para os esclarecidos
e seguidores dos mesmos dogmas

E não são pecadores?

- São, sim senhor,
porque cumprem leis de deuses vingadores -
dizem-me os esclarecidos
de outros dogmas,
e eu continuo aflito
para entender tudo isto

E ainda as fogueiras, as chicotadas,
as lapidações, a forca,
para os que pecaram segundo os esclarecidos,
tudo horrores,
digo eu que estou de fora
e a rachar lenha,
embora devesse antes rachar a barbárie,
mesmo à distância

Mas não racho,
não consigo, não tenho machado,
resta-me só saber
se o homem que eu vi derreado
com o peso do pecado,
terá mesmo pecado
- pecou, mas confessou-se
e está perdoado -
diz-me um esclarecido
- melhor assim -
respondo eu,
já quase esclarecido