terça-feira, 10 de junho de 2014

Um Dia de Camões

Naquele dia de ventania
voou-me o meu chapéu,
e eu corria, e eu corria,
e não o consegui apanhar,
e assim o meu chapéu
foi parar
ao rio Tejo

E a minha cabeça ficou ao léu
no meio daquela ventania
e eu a ver o meu chapéu
a flutuar no rio Tejo,
mas que valentia,
a do meu chapéu,
só me restava dizer-lhe adeus,
mas, de repente, vi nele uma nau
e disse-lhe:

"Flutua, flutua, ó meu chapéu,
deixa-te ir sempre à tona da água,
vai para aonde te leve a maré,
mas sempre à tona da água;

Flutua, flutua, não vás ao fundo,
não fiques preso em nenhuma barreira,
vai até ao fim do mundo
e manda-me notícias dessa fronteira;

E quando passares pelo Bojador,
ou pelas Tormentas, ou pela Taprobana,
ou pelo mar da China, ou pelo mar de Timor,
anuncia que vens da ocidental praia lusitana,
terra de esplendor
e de egrégios avós que não tiveram medo
do gigante Adamastor
e do fogo de Santelmo,
e que foram além da dor
por terem cruzado o Bojador
e por não terem dado ouvidos ao Velho
do Restelo."

Mas, quando me calei,
constatei que estava fora de mim,
ainda bem que ninguém me viu ou ouviu,
afinal era apenas o meu chapéu
que flutuava no Rio Tejo,
não era nenhuma nau
preparada para navegar
para o desconhecido
e dar novos mundos ao mundo,
era apenas o meu chapéu
e que não ia ao fundo

Queiram, no entanto, saber
que eu fiquei assim
tão fora de mim e a ver
uma nau num humilde chapéu,
porque estava sozinho
à beira do Rio Tejo em Lisboa
com muita vontade de declamar,
a plenos pulmões,
o Hino Nacional, o Fernando Pessoa
e o Luís de Camões,
porque era o dia de Portugal, de Camões
e das Comunidades Portuguesas

Viva Portugal